A Secretaria estadual de Administração Penitenciária (Seap) distribui, desde 1º de setembro, para os 21 mil detentos dos 23 presídios do Rio um lanche noturno. A novidade veio acompanhada da dispensa de licitação para se contratar a empresa Induspan Produtos Alimentícios, com o custo de R$ 11 milhões por dois anos ( assista a vídeo com a produção do lanche ).
De acordo com o contrato, a empresa deve produzir, em padarias montadas nos presídios, o lanche para detentos e servidores públicos. Porém, o que está sendo servido não são apenas os pães produzidos nas cozinhas. No saco plástico que embala a alimentação também vêm acondicionados guaraná natural, biscoito, achocolatados e frutas, que não são produzidos nas unidades, contrariando o contrato.
Dispensa irregularNa opinião de advogados, especialistas em direito administrativo, ouvidos pelo EXTRA, a dispensa de licitação a favor da Induspan é considerada irregular. Para Thiago Sexto, integrante da Sociedade Cabernite Advogados, a justificativa de que a empresa era a única capacitada só se manteria se não existisse ninguém capaz de realizar algo similar:
- E, como é sabido, fazer pão é uma atividade comum há milhares de anos, e ensinar esse ofício, certamente, não é exclusividade da empresa contratada - disse Sexto, lembrando que, neste caso, deveria ser realizada a licitação, com a avaliação das propostas técnicas e financeiras das concorrentes.
Contrato ampliadoSegundo a Seap, o atual contrato é uma extensão de um compromisso anterior, firmado em 31 de agosto de 2006, para fabricação de pães com utilização de mão-de-obra dos presos. A dispensa de licitação, de acordo com a Seap, aconteceu porque, segundo declaração expedida pela Associação Comercial, a Induspan é a única empresa no município que executa esse tipo de serviço.
- Somos os únicos que treinamos presos e produzimos pães - garante Carlos Felipe Nascimento, diretor da Induspan.
Caso pode ser considerado uma fraudeEspecialistas ouvidos pelo Extra consideram que a contratação da Induspan para servir o lanche noturno é irregular. A Seap informou ao Extra que a dispensa aconteceu com base no Artigo 25, parágrafo II e no Artigo 13, parágrafo VI da Lei Federal 8.666/93. De acordo com os artigos citados pela secretaria, não foi exigida a licitação pois seria inviável a realização de concorrência para a contratação de serviço técnico-profissional especializado, para ministrar treinamento e aperfeiçoamento de pessoal.
- Ocorre que, de acordo com a fundamentação legal apresentada, não se exige a licitação para o treinamento ou aperfeiçoamento profissional dos servidores públicos. No caso, os cursos eram para os detentos. E, mesmo assim, somente se dispensa a licitação se a empresa ou o profissional que ministra o curso forem os únicos capazes de fazê-lo - analisou Tiago Sexto.
- Foi uma fraude. Para fornecer o lanche usaram como desculpa a formação para treinar padeiros, o que qualquer empresa pode fazer - disse o advogado Viveiros de Castro.
Induspan compra toda a produção dos detentosInternos do Esmeraldino Bandeira mostram os pães produzidos na padaria do presídio: trabalho reduz a pena dos detentos
Atualmente, quatro padarias funcionam em presídios do sistema penitenciário do Rio. De acordo com o empresário Carlos Felipe do Nascimento, a intenção é de que mais quatro padarias sejam montadas para que seja possível a fabricação de biscoitos. Aqueles servidos atualmente são comprados pela empresa.
- Esse é um trabalho muito desgastante. Muita coisa está sendo desenvolvido. É um trabalho do dia-a-dia em que beneficiamos o máximo de itens desse serviço - afirmou o empresário que antes era responsável por oferecer o café da manhã aos presos.
Lanche na hora da jantaDesde 1º de setembro, a Seap resolveu expandir o contrato e servir o lanche noturno para os presos. A alimentação é servida às 18h, junto com o jantar. Os detentos guardam a alimentação para comer durante a madrugada quando estiverem com fome. De acordo com a Seap, o lanche é servido junto com o jantar por medida de segurança.
No presídio Esmeraldino Bandeira, em Gericinó, há 18 presos trabalhando na cozinha para a elaboração dos lanches. Ao todo são 60 internos nas padarias. Por cada três dias trabalhados, os detentos reduzem um dia na pena.
- Prestamos serviços a muitas empresas do setor privado. Não começamos hoje - afirmou Felipe.
Fonte: extra.globo.com